Paula Rego já está no Colombo

“Estou muito contente por esta exposição”. A voz de Paula Rego ecoou no Praça Central do Centro e marcou a inauguração oficial da sétima iniciativa de “A Arte Chegou ao Colombo”, que este ano celebra a vida e obra daquela que é uma das figuras maiores da arte contemporânea a nível mundial.
Paula Rego não pôde estar presente mas enviou um vídeo, assinalando a importância desta mostra que permite fazer chegar a arte contemporânea a um público alargado. Foi com este vídeo que o diretor do Colombo, Paulo Gomes, inaugurou a exposição e deu as boas vindas a Isabel Pires de Lima, ex-ministra da cultura e embaixadora desta iniciativa; a Salvato Teles de Menezes da Fundação D. Luís, entidade responsável pela Casa das Histórias (Cascais); e a Catarina Alfaro, coordenadora da programação e conservação da já referida Casa das Histórias e curadora desta mostra e responsável pela visita guiada inaugural. E foram muitos os que não quiseram perder a oportunidade de conhecer, pela mão da especialista, as histórias que se escondem por trás de cada quadro.
Paula Rego tem feito um percurso que cruza frequentemente o universo das histórias pessoais com os contos tradicionais portugueses, com os contos de fadas, e também com a literatura, o teatro ou o cinema infantil. E é exatamente por esta sua abordagem, pessoal, que as histórias ganham uma dimensão maior: “Muitas vezes aquilo que se descobre durante o processo de fazer o quadro estava escondido, a viver noutra área da minha consciência, e depois aparece no quadro”, disse a propósito do processo de criação.
Os contos tradicionais e os contos de fadas
A influência das histórias tradicionais na sua obra começa a manifestar-se logo no início do seu percurso artístico, por volta dos anos 1950 – 1960. No entanto adensa-se a partir de 1976, quando Paula Rego ganha uma Bolsa da Fundação Gulbenkian para aprofundar o estudo dos contos tradicionais portugueses e dos contos de fadas.
Para isso, a artista ruma aos museus e bibliotecas londrinos, reunindo um grande conjunto de imagens de contos, do século XVII ao início do século XX, que seriam posteriormente reproduzidos por si. Acredita-se que foi durante esta sua pesquisa que descobriu dois contos que a iriam inspirar a fazer as obras “A Gata Branca” e “Príncipe Porco”, ambas representadas nesta exposição.
A primeira é inspirada na obra da escritora francesa Madame d’Aulnoy (1650-1705) e conta a história de um príncipe que passa longas e felizes temporadas no palácio da Gata Branca. A dado momento, há um feitiço que tem que ser quebrado. E com temor, o príncipe corta a cabeça e o rabo dessa gata que, como por magia, se revela uma princesa de uma beleza ímpar.
Já o segundo quadro é inspirado numa coletânea de 75 contos recolhidos pelo escritor italiano Giovanni Francesco Straparola (1480-1557). Nesta história, uma rainha – novamente por capricho de uma fada – dá à luz um príncipe que é metade porco. Em adulto, ele vai casar sucessivamente com três irmãs. As duas primeiras são rejeitadas porque ele descobre que não o amam verdadeiramente. A terceira consegue provar o seu amor por ele, transformando-o num príncipe verdadeiro.
A literatura de Jane Eyre
O trabalho de Paula Rego também se cruza frequentemente com a literatura. Um desses encontros resulta nas litografias da série “Jane Eyre”, inspirada no romance de Charlotte Brontë. A obra conta a história de amor de Jane Eyre e Mr. Rochester. Para a conceção destas 25 litografias, apresentadas na exposição, a pintora recorreu às suas memórias na Ericeira, onde viveu durante longas temporadas entre 1960 e 1970, situando inclusive aí algumas cenas, como acontece no tríptico “Preparando-se para o Baile”.
O cinema de Walt Disney
Também o cinema de animação de Walt Disney exerceu sobre Paula Rego um enorme fascínio. Daí que quando foi convidada para participar na exposição “Spellbound: Art and Film”, na Hayward Gallery em Londres (1995), que assinalou o centenário da invenção da sétima arte, a artista tenha aceitado sem hesitar. Para esta exposição, Paula Rego inspirou-se em três filmes de Walt Disney: “Avestruzes Dançarinas”, “Branca de Neve” e “Pinóquio”. É na série deste último que se inscreve o quadro “A Fada Azul Segreda ao Pinóquio”, a grande estrela da mostra no Colombo. Nesta pintura ambígua, há uma fada de enormes pés assentes no chão que segreda a Pinóquio, mas o segredo parece não ser apaziguador. Pinóquio, aqui já menino e não boneco de madeira, está rígido como se ouvisse que o fim da inocência da infância estivesse a aproximar-se.
O teatro de Martin McDonagh
Em 2003, Paula Rego assiste à peça “The Pillowmen”, de Martin McDonagh, no National Theatre of London. A história impressiona tanto a artista que acaba por lhe dedicar um tríptico, também presente nesta exposição. Diz a artista: “Esta é uma história muito simples (…). Uma rapariga tem a seu cuidado uns macacos que se supõe estarem a escrever à máquina Shakespeare. Há um ditado em inglês (conhecido pela Teoria da Probabilidade como Teorema do Macaco Infinito) que se diz que se se der uma máquina de escrever a um macaco, ele escreverá e escreverá até acabar escrevendo Shakspeare. Foi feita uma experiência com uma sala cheia de macacos, todos teclando como loucos. A avó da rapariga ficou a tomar conta deles, tal como antes o fizera a sua mãe e aqueles macacos nunca produziram nada. Então ela acaba por matá-los a tiro”. E é este universo que é representado no tríptico em exibição nesta exposição.
Paula Rego: artista, mulher e mãe
Paula Rego nasceu a 26 de Janeiro de 1935 em Lisboa. Em 1945 ingressou na escola inglesa St. Julians, em Carcavelos, tendo passado a sua infância e adolescência na casa de família, no Estoril. Com 17 anos, muda-se para Londres onde estuda na Slade School of Fine Arts. É aqui que conhece o seu marido, Victor Willing (1928 – 1988). Em 1957 volta à casa de família no Estoril, onde vive com o marido e os filhos até 1963. Finalmente, em 1988, realiza a sua grande exposição individual na Serpentine Gallery, em Londres. Desde então tem ganho sucessivos prémios e distinções nacionais e internacionais que refletem uma carreira prolífica com mais de 50 anos. Atualmente, a artista vive em Londres, onde continua a produzir.