Amor, vida e obra: quem foi Maria Helena Vieira da Silva?

Na pintura, na ilustração, na tapeçaria – artista por inteiro. Conheça a mulher por detrás da genialidade da obra e prepare-se para a exposição do ano, que recebemos de 26 de junho a 26 de agosto, em plena Praça Central do Colombo.

Maria Helena Vieira da Silva nasceu a 13 de junho de 1908, em Lisboa, no seio de uma família de classe alta ligada à cultura. O seu pai, o diplomata Marcos Vieira da Silva, faleceu em 1911 na Suíça, ficando Maria Helena, com apenas três anos, a cargo da mãe, Maria do Céu da Silva Graça, filha de José Joaquim da Silva Graça, o jornalista que fundou e dirigiu o jornal O Século.

Tendo mostrado desde muito cedo interesse pela leitura, pela pintura e pela música, Vieira começou a estudar, com apenas 11 anos e ainda em Lisboa, música, desenho, pintura e escultura. Em 1928, com 19 anos, partiu para Paris com a mãe para continuar a estudar arte.

Durante o primeiro ano em França, Vieira da Silva debruçou-se essencialmente sobre a escultura, tendo estudado nas academias Scandinave e La Grande Chaumière – onde conheceu o também pintor Arpad Szenes, com quem viria a casar e a dividir praticamente toda a sua vida – do amor à pintura. Mas já lá vamos. Em Paris, um ano de escultura chegou-lhe para pôr a pintura em primeiro plano. Em 1929, além de se iniciar na gravura, Vieira estudou pintura com grandes nomes da época como Dufresne, Waroquier, Friesz, Fernand Léger e Bissière.

O primeiro contacto com Arpad Szenes, na Academia La Grande Chaumière, não deixou a jovem artista fascinada. Consta que foi ele quem se deixou apaixonar primeiro por aquela “rapariga ibérica”, da qual falava a todos os seus amigos, retornado à Hungria, no ano seguinte a conhecê-la. Novamente juntos, o impasse de Szenes e Vieira transformou-se em amor e deu em casamento. A partir daqui, Vieira perdeu a nacionalidade portuguesa e, por não regressarem nesse ano à Hungria, tornaram-se ambos apátridas. Nem por isso a pintora cortou as raízes portuguesas: as paisagens urbanas, os azulejos e as perspetivas das ruas e das casas de Lisboa permaneceram numa memória acesa e pintada ao longo de toda a sua vida – e eternizada na sua obra.

Em 1932, Vieira conheceu a galerista Jeanne Bucher, que acabou por organizar a sua primeira exposição individual de pintura no ano seguinte – e muitas mais durante toda a sua carreira, desempenhando um papel fundamental no percurso da artista. Em 1933, com apenas 25 anos de idade, participou numa exposição no Salon de Paris, a mais conceituada sala parisiense da altura. Em Portugal, expôs pela primeira vez dois anos depois, em 1935, na Galeria UP. Em 36, Vieira da Silva voltou a expôr trabalhos seus em Lisboa, mas desta vez com o seu marido Arpad Szenes, no atelier dos dois. Em 39, ano em que rebentou na Europa a Segunda Guerra Mundial, o casal mudou-se para Lisboa e procurou obter a nacionalidade portuguesa, que ao fim de um ano lhe foi negada. Sendo ambos apátridas e sendo Arpad Szenes de origem judaica, viram-se obrigados a emigrar.

Como tantos outros artistas e intelectuais europeus, despojados de tudo, Arpad e Maria Helena exilaram-se no Rio de Janeiro durante a maior parte da década de 1940. A angústia, o desenraizamento e a dor que Vieira sentiu durante este período refletiram-se na sua pintura: abandonou as pesquisas abstratas (que só retomou em 47, quando regressou a Paris) e intercalou os retratos, as paisagens e as naturezas mortas com reflexões sobre a guerra; exemplo disso mesmo é a obra “História Trágico-Marítima” (1944), que retrata a chegada do casal ao Brasil com um navio cheio de tripulantes, dentro e fora do barco, com uma composição algo claustrofóbica e dramática – que tanto faz lembrar as fotografias tristes e recentes dos refugiados no Mediterrâneo.

Durante os sete anos que viveu no Brasil, expôs no Museu Nacional de Belas Artes, em 1942, na Galeria Askanazy, em 1944, e, por último, no Palácio Municipal de Belo Horizonte, em 1946. Nesse mesmo ano, estreou-se em Nova Iorque, numa exposição organizada por Jeanne Bucher, a galerista que havia sido responsável pela sua primeira exposição a solo em Paris e que faleceu pouco depois. Em 47, já num período pós-guerra, o casal de pintores regressa à capital francesa.

Durante a década de 50, Maria Helena Vieira da Silva encontrou um pouso mas a sua pintura, pelo contrário, viajou pelo mundo: as exposições foram de Paris a Estocolmo, de Nova Iorque a Basileia, de Amesterdão a Londres, de Genebra a Lisboa. Pelo meio, em 1956, Vieira e Szenes naturalizaram-se franceses. No ano seguinte, a mãe de Vieira mudou-se para casa da artista. Seguiram-se anos de estabilidade e, também por isso, de muito trabalho artístico e de enorme sucesso.

Além da pintura, Vieira debruçou-se intensamente em novas e surpreendentes áreas: da tapeçaria aos vitrais, passando pelas ilustrações de livros infantis, pelos cenários de teatro e eternamente pelos azulejos. Na década de 60, destacou-se através de prémios e nobres distinções: França concedeu-lhe os graus de Cavaleiro e de Comandante da Ordem das Artes e das Letras; recebeu o Grande Prémio Internacional de Pintura da Bienal de São Paulo; foi-lhe atribuído o Grand Prix National des Arts em Paris; foi nomeada Sócia Honorária do Grémio Literário de Lisboa. Por esta altura, realizaram-se um pouco por toda a Europa exposições retrospetivas da sua obra. Em 64, deu-se a morte da sua mãe. O reconhecimento da genialidade de Vieira da Silva manteve-se e as homenagens à artista multiplicaram-se: Turim, Roterdão, Oslo, Basileia e Lisboa receberam retrospetivas. A cotação das obras da artista estavam por esta altura ao nível das de Picasso, seu contemporâneo. A arte ocupava os seus dias e os seus trabalhos foram sendo expostos em galerias e mostras conceituadas.

Em 1975, realizou dois cartazes que ficaram para sempre no imaginário coletivo dos portugueses: A Poesia Está na Rua. A pedido da poetisa Sophia de Mello Breyner, de quem era muito amiga, Vieira inspirou-se em fotografias do 1.º de maio de 74 para retratar o 25 de abril desse mesmo ano, que a pintora não presenciou por estar em Paris. O resultado entrou casas adentro de norte a sul do país, numa imagem que se pendura em todo o tipo de paredes e corações.

Em 85, perdeu o marido e grande amor da sua vida. Arpad Szenes morreu no seu atelier, a 16 de janeiro. Nesse mesmo ano, a artista expôs em Lisboa e em Lyon, e, no ano seguinte, realizou um cartaz para a UNESCO em que celebrou o Ano da Paz. Seguiram-se muitas exposições – de São Paulo a Lisboa – conjuntas, com obras de Maria Helena e de Arpad. Em 88, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu-lhe a Medalha da Cidade e foi eleita Membro da Royal Academy of Arts em Londres. Sucederam-se condecorações dos Estados francês e português.

Na década de 80, o Metropolitano de Lisboa propôs a Vieira a decoração da estação da Cidade Universitária. A artista regressou a Lisboa para acompanhar a transposição para azulejo dos seus projetos, que estava a ser supervisionada por Manuel Cargaleiro, pintor e ceramista amigo da artista. Os dias foram-se tornando cada vez mais longos e Vieira ia menos ao atelier.

Em 1990, nasceu a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, (FASVS) em Lisboa, que partiu do desejo da própria Vieira, após a morte do marido, de criar um centro de estudos dedicado à obra de ambos, na sua casa de Lisboa. O museu inaugurou apenas quatro anos depois, mas tarde demais: Maria Helena não recuperou de uma delicada cirurgia e acabou por morrer, em março de 92. O museu viria a inaugurar em novembro de 94.

Fachada principal da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva
Fachada principal da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva

Para a história, fica a sua obra de imensurável valor artístico e histórico. A artista portuguesa está atualmente representada nos museus de Arte Moderna de Paris e de Nova Iorque, na Tate Gallery em Londres, no Museu Nacional de Arte Contemporânea em Lisboa e no Museu da Fundação Calouste Gunbenkian, entre tantos outros. O principal é, claro, o museu da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, situado no Jardim das Amoreiras, em Lisboa, um lugar especial para o casal de artistas.

De 26 de junho a 26 de agosto, Vieira da Silva entra no Colombo e todos os visitantes do nosso Centro têm a oportunidade de entrar no seu universo único: através de uma exposição imersiva que dá vida à obra da artista. Servindo-se da cor e da luz, de projeções e de uma banda sonora muito própria, os nossos parceiros realizam esta exposição inédita que garantidamente captará a atenção do público português. Aponte na agenda e visite, a partir de 26 de junho, a “Vieira da Silva. Exposição imersiva na obra da artista”.

Marina Bairrão Ruivo, diretora da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, deixa o convite: visite a exposição imersiva na obra da artista a partir de 26 de junho e entre no universo de uma das mais célebres pintoras portuguesas.

 

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