? Rueffa, a artista plástica que vê em Lichtenstein um ícone

Seja bem vindo ao universo da embaixadora da exposição “Roy Lichtenstein e a Pop Art” e fique a conhecer as histórias que a unem a um dos seus muitos ícones da arte.

O espaço onde nascem tantas obras de arte parece ele próprio uma obra inacabada – não fosse este o universo de uma artista plástica. Pó no ar, cheiros misturados e um caos muito tranquilo são a segunda (e tantas vezes primeira) casa de Rueffa, a artista plástica portuguesa que é embaixadora da exposição de Roy Lichtenstein, patente na nossa Praça Central até setembro, no âmbito de mais uma edição d’A Arte Chegou ao Colombo.

Conhecíamos o seu trabalho e identificávamos já alguns pontos em comum entre ele e o de Roy Lichtenstein: a estética publicitária como ponto de partida, a sintetização da cor, a homenagem e reinterpretação de outros artistas que admiram (“ícones”, como lhes chama Rueffa). Mas nunca poderíamos adivinhar que havia muitas mais histórias por contar. Histórias que fazem de Roy Lichtenstein mais do que um ícone de Rueffa, uma espécie de mestre inspirador. Afinal, foi através de um livro sobre a pop art que destacava o trabalho deste artista, que a portuguesa, na altura uma jovem de 18 anos a recuperar de um acidente, descobriu o seu próprio caminho na arte.

Quando chegámos, a artista estava num reboliço, a tentar arrumar tudo e amenizar o ambiente. “Nunca recebi assim ninguém no meu espaço de trabalho, estou um bocado nervosa. Aliás, fico sempre nervosa com entrevistas, não tenho muito jeito para isto”, diz.  Discordamos. Rueffa recebeu-nos num dos seus ateliês, nos arredores de Lisboa, com algum desconforto, é certo, mas sobeja simpatia. Passados cinco minutos percebemos que não só “tem jeito” para dar entrevistas como é uma conversadora nata.

Tenho que me pôr na pele daquele artista que admiro, para pegar no passado e configurar um novo discurso.

Nervoso miudinho à parte, a artista mostrou-nos alguns dos trabalhos que tinha guardados – e que têm estado expostos um pouco por todo o mundo -, explicou-os, falou-nos sobre as técnicas que usa. Mostrou-nos a famosa luva com que homenageou Basquiat, as suas Fridas (Kahlo), a instalação que faz o coração de Mozart bater novamente, o pensamento de Amália Rodrigues sempre no seu fado. Os protagonistas dos trabalhos (e do imaginário) de Rueffa são portugueses ou são do mundo, da música, do desporto ou da pintura, mas sempre da arte. E Rueffa faz-lhes vénias, vestindo-lhes a pele durante meses, pesquisando quase obsessivamente sobre eles, tentando pôr-se no lugar de cada um para poder reinterpretar estas personagens sem lhes fugir – e sem fugir a si mesma – e homenageando-as. “Tenho que me pôr na pele daquele artista que admiro, para pegar no passado e configurar um novo discurso”, explicou-nos. “Pego em imagens que se calhar até são banais ou comerciais e não lhes mudo uma cor: acrescento-lhes uma história. Acrescento sempre uma história àquela personagem – e essa é a minha homenagem.”

É um bocadinho hipócrita dizermos que não vamos reviver o passado: a história da arte é justamente o revivalismo do passado.

Lichtenstein fazia o mesmo. Picasso, Matisse, Mondrian e Monet, ícones do artista, foram por ele reinterpretados e homenageados, sobretudo na fase inicial da sua carreira, estando até algumas destas obras patentes na exposição do nosso Centro. “[O Roy Lichtenstein tê-lo feito também] tranquiliza-me, porque é um bocadinho hipócrita dizermos que não vamos reviver o passado: a história da arte é justamente o revivalismo do passado”, explicou Rueffa. “No caso de Lichtenstein, acho muito interessante ele não ter nada a esconder e assumir peremptoriamente: ‘Estou a fazer uma homenagem a um artista que admiro imenso’. E isso não lhe dá menos crédito, muito pelo contrário. Dá-nos até a perceber que ele deixou o seu trabalho de lado e aplicou-se em tentar configurar um novo discurso, já com base naquilo de que ele realmente gostava. Ele é tão estético e tão normativo na forma como aplica a sua técnica e de repente vemos que consegue desviar-se por outros caminhos, sair da sua esfera e trabalhar quase como se fosse o próprio artista a pintar. Acho que esse é o maior desafio.”

Por falar em desafios, Rueffa revelou-nos um que lhe foi lançado e que estava ainda em segredo: a propósito da exposição da qual é embaixadora, foi convidada a reinterpretar Roy Lichtenstein e a reviver a ligação que partilha com esta figura. “É uma grande responsabilidade. Estou aqui há muitos meses a pensar como é que seria capaz de o representar de forma a que ele permanecesse vivo e não se sentisse defraudado. Quero criar algo de que ele dissesse ‘Sim, senhora, gosto de me ver aqui, identifico-me com isto’; e por isso vou ter que me pôr na pele de Lichtenstein e vou ter que ter uma dualidade, em que sou eu, a Rueffa, a retratar este artista que admiro imenso.” Sobre a obra que está a criar, adiantou pouco. Apenas que se trata de “um romance entre Lichtenstein e as mulheres pintadas por ele”. Ficamos à espera.

Até lá, saiba um pouco mais sobre o universo Rueffa no nosso vídeo e, claro, visite a nossa exposição “Roy Lichtenstein e a Pop Art”, na Praça Central do Colombo. A entrada é livre.

Fotografia e vídeo de Mariana Alvarez Cortes

 

 

 

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