“Terry O’Neill criou um novo estilo de fotografia”

Cristina Carrillo de Albornoz, curadora internacional da exposição “Terry O’Neill – Faces of the Stars” falou sobre a vida e obra do homem que é a cara da 6.ª edição do projeto A Arte Chegou ao Colombo.

Qual é a melhor forma de descrever Terry O’Neill e o seu trabalho a alguém que nunca tenha ouvido falar deste fotógrafo?
Terry O’ Neill deu-nos momentos únicos de pessoas que fizeram a diferença no nosso mundo. É um homem que tem documentado a vida das estrelas do cinema, do desporto, da política e da moda desde os anos 60. E a sua contribuição para a arte do retrato – porque ele é um fotógrafo que faz essencialmente retratos – foi no tom do espírito dessa época: muito jovem, muito inocente, cândido, muito íntimo. Terry O’Neill criou um novo estilo de fotografia.

Era um deles. Frequentava os mesmos clubes em que paravam as estrelas que na altura estavam a aparecer

As principais fotografias que encontramos em “Terry O’Neill – Faces of the Stars” foram tiradas nos anos 60 do século passado. Foi uma época que marcou a sua carreira?
É também importante referir que O’Neill é também, ele próprio, um produto dos anos 60. Tinha apenas 21 anos quando começou a fotografar. E fê-lo quando vivia em Londres, uma cidade em que, na altura, estava sempre a acontecer alguma coisa no plano artístico. Estamos a falar da Londres em que apareceu Twiggy – a primeira supermodelo da história da moda -, foi aqui que apareceu Mary Quant com a mini saia, foi aqui que apareceram os Rolling Stones e os Beatles.

Além disso, esta foi uma época em que havia uma nova cultura no cinema. Os estúdios já não promoviam as suas estrelas da mesma maneira que haviam feito antes e como os atores não tinham atrás de si as máquinas de propaganda que têm hoje, tinham de se promover de uma forma diferente. Terry O’Neill deu-lhes a oportunidade de se mostrarem de uma forma única.

Frank Sinatra disse-lhe: “podes pertencer ao nosso círculo, ser um de nós, mas para fazer boas fotografias tens de ser invisível”

Além de fotografar as estrelas, O’Neill chegou a desenvolver relações muito próximas com alguns destes artistas…
Sim. Acima de tudo porque era um deles. Frequentava os mesmos clubes em que paravam as estrelas que na altura estavam a aparecer – como é o caso dos Beatles ou dos Rolling Stones. Ele estava entre eles, convivia com eles, mas sabia sempre ser muito discreto. Esta sua postura deu-nos imagens únicas de todas estas pessoas que marcaram os anos 60, com um novo estilo, fotografando de forma muito discreta, muito cândida e muito autêntica.

De que forma é que esta proximidade com os músicos e atores marcou o seu trabalho?
Como disse, ele era um deles e tinha acesso ilimitado a estas estrelas. Não tinha restrições. Podia estar com eles em qualquer lado, fosse na rua, nos bastidores de um concerto, num café, ou nas gravações de um filme.

Este acesso privilegiado é o segredo para o facto de as suas fotos terem tanto sucesso e serem tão conhecidas?
Sem dúvida. Nesta exposição há uma fotografia que mostra isso mesmo: é uma fotografia de Paul McCartney a tocar piano no casamento de Ringo Star. Esta fotografia só existe porque Terry O’Neill estava lá. Porque era amigo deles. De resto, a maior parte das estrelas que aqui vemos consideravam Terry um amigo. Gostavam dele.

Principalmente porque mesmo nestas situações sabia sempre ser muito discreto e reservado. Foi este estilo que fez com que Frank Sinatra gostasse tanto dele e tivesse permitido que o fotografasse ao longo de 30 anos. O Sinatra era também apaixonado pela fotografia e foi ele que, curiosamente, deu a O’Neill um dos conselhos mais importantes da sua carreira. Disse-lhe: “um bom fotógrafo tem de ser invisível. Podes pertencer ao nosso círculo, ser um de nós, mas para fazer boas fotografias tens de ser invisível”.

A maior parte das estrelas consideravam Terry um amigo

E era isso que O’Neill fazia?
Apesar desta proximidade e das relações pessoais que tinha com estas estrelas, O’Neill sempre teve a visão de um artista. E era, acima de tudo, muito discreto. Sabia distinguir perfeitamente quando devia ser o fotógrafo e quando devia respeitar os momentos de privacidade. Nunca se impunha, sabia esperar.

Aliás, o próprio Terry costuma dizer que há três regras que é preciso respeitar para se ser um bom fotógrafo: paciência, discrição e uma enorme capacidade enquanto relações públicas. E ele tinha estas qualidade todas. Sabia exatamente quando devia e quando não devia estar.
Ser amigo destas personalidades ajudou muito o seu trabalho, mas não teria tido este sucesso se não tivesse essa capacidade de ser discreto – invisível – e de se distanciar.

Falando de Sinatra, foi Ava Gardner, na altura mulher do cantor quem lhe recomendou O’Neill. As estrelas costumavam fazer isto, criar acesso a outras estrelas?
Sim, Ava enviou uma nota a Sinatra a pedir para ele confiasse em Terry e ele seguiu o conselho. Isto acontecia muito. Temos que ver que na altura todos estes artistas faziam parte de uma grande família. Se alguém desta família recomendasse outra pessoa era mais facilmente aceite e acolhido. O’Neill costumava ter sempre consigo várias cartas de Richard Burton, Elizabeth Taylor e outros artistas, porque sabia que isto lhe abria portas.

De que forma é que “Terry O’Neill – Faces of the Stars” transmite esta realidade?
Cada uma das 50 fotografias aqui presente mostra algo de único sobre cada estrela que retrata. Se olharmos para a foto de Brigitte Bardot, vemos toda a sensualidade; se olharmos para Audrey Hepburn vemos a elegância, aquela maneira única de ser. Por outro lado, se olharmos para Ava Gardner vemos a mulher poderosa que era, que agarrava nos homens e fazia deles o que queria.

O’Neill captava a aura especial de cada artista nas suas fotos e isso transparece aqui. Importa também referir que cada foto representa meses de trabalho. Ficava meses à espera do momento certo, para tirar a foto certa. É isso que as pessoas podem encontrar aqui no Centro Colombo. Um lado único das estrelas que o trabalho de O’Neill capturou por causa do seu método e proximidade.

Olhando para o que O’Neill alcançou, acha que será possível que nos próximos anos apareça um outro fotógrafo que construa uma carreira assim?
Isso é completamente impossível. Ele foi um homem dos anos 60, um produto daquele tempo, numa altura em que tudo isto era novo. As estrelas faziam o que queriam estavam com quem queriam. Tudo se alinhou para dar estas oportunidades únicas que resultam neste trabalho magnífico.

Hoje seria impensável um fotógrafo ter este tipo de acesso a grandes artistas. Veja-se por exemplo um ícone da fotografia dos dias de hoje como Annie Leibovitz: quanto muito dão-lhe um dia para estar com esta ou aquela estrela. Terry passava meses com eles.

Hoje há tanta censura, tantos tabus, tantos limites… Há os agentes e as relações públicas a bloquear o acesso. E há as próprias estrelas que impõem limites e dizem que lado deve ser fotografo, que lado não deve ser…

David Bowie era uma personagem verdadeiramente fantástica, uma mistura perfeita entre moda, música e arte.

Esta exposição faz uma homenagem a David Bowie. Que relação tinha este artista com Terry O’Neill?
O Terry acompanhou toda a fase de transição de David Bowie enquanto camaleão que era, desde os tempos em que encarnava Ziggy Stardust, passando pelo White Duke e depois, mais tarde, já nos anos 90. Era uma personagem verdadeiramente fantástica, uma mistura perfeita entre moda, música e arte.

Se olharmos para a estrutura da exposição, vemos que algumas das fotografias dispostas de uma forma quase clínica. Por exemplo, Ava Gardner e Frank Sinatra estão juntos. Houve essa preocupação?
Eles tinham de estar juntos! Ava esteve sempre presente a vida de Sinatra e por isso tinha de os juntar aqui também. Mas sim, procurei – olhando também para o facto de a exposição se inserir no ano do cinema em Portugal – juntar os grandes ícones de cada área, do cinema, mas também da música.

Se tivesse de escolher, qual apontaria como a sua fotografia preferida?
É muito difícil escolher só uma, porque estamos a falar de um arquivo com quase 60 anos de trabalho e mais de 100 mil fotografias. Mas confesso que gosto muito da foto de Amy Winehouse. É uma foto que retrata a sua vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a sua força e a sua personalidade, com o decote, o cabelo, as tatuagens…

E também porque esta foto foi tirada num contexto muito especial. A Amy estava numa clínica de reabilitação e saiu só para participar num concerto de homenagem a Nelson Mandela. Ela saiu só para cantar para Mandela e isso foi um momento único e muito especial. O’Neill esteve nos bastidores e conseguiu captar esse momento único. Adoro isso.

De que forma é que o facto de “Faces of the Stars” estar num espaço comercial como o Centro Colombo pode aproximar mais as pessoas do trabalho de O’Neill?
Nós vivemos na era dos centros comerciais. E aqui há uma confluência de todo o tipo de pessoas. Está tudo misturado. Por isso a ideia de ter arte num centro comercial é maravilhosa, não só porque dá acesso à arte a quem normalmente não visita museus ou exposições, mas porque permite dar uma dimensão diferente ao centro. Uma dimensão mais espiritual.

O que espera que as pessoas guardem desta exposição?
Espero que a exposição contribua para o enriquecimento de quem a visita.

Tudo o que precisa num único espaço