Vieira da Silva e Arpad Szenes: uma vida de mãos dadas

Ela portuguesa e ele húngaro; ela pintora e ele pintor também. Conheceram-se em Paris, em 1928, tinha Maria Helena 19 anos e Arpad 31. O romance durou até que a morte os separasse – e era, no último dia, tão intenso como no primeiro.

As diferentes nacionalidades faziam adivinhar um amor entre duas pessoas que se completavam em vários sentidos. Vieira da Silva e Arpad Szenes foram casados, amantes e cúmplices durante os 55 anos em que estiveram juntos. Até ao último momento.

Esta história começou em 1928, na Academia La Grande Chaumière, em Paris. O primeiro contacto entre os dois não deixou a jovem artista fascinada: Arpad Szenes tentava aproximar-se de Vieira da Silva, apesar de criticar os seus desenhos, e ela não se interessou por ele. Consta que foi o jovem pintor quem se deixou apaixonar primeiro por aquela “rapariga ibérica”, da qual falava a todos os seus amigos, retornado à Hungria, no ano seguinte a conhecê-la em Paris. Nisto passou-se um ano. Novamente juntos, o curto impasse de Szenes e Vieira transformou-se em amor e, em 1930, deu em casamento. Foi a partir deste ponto que Vieira perdeu a nacionalidade portuguesa e que, por não regressarem nesse ano à Hungria, se tornaram ambos apátridas. 

Durante os primeiros anos de casamento, os dois artistas viveram juntos em todos os sentidos: gostavam de trabalhar em conjunto e de acompanhar o que um e outro iam pintando, chegando até a dividir ateliês por várias vezes (Villa des Camélias, Boulevard Saint-Jacques, em Paris e Alto de São Francisco, em Lisboa). Vieira da Silva e Arpad Szenes eram ambos influenciados pelo ambiente em que trabalhavam, absorvendo o espaço que os rodeava enquanto pintavam e espelhando, tanto um como outro, esses traços em comum nas suas obras. Durante este período, Vieira é desenhada e pintada pelo marido inúmeras vezes; seguem-se os retratos do casal, os Couple, em que os dois pintores se fundiam com os objetos que os rodeavam, contando o início da sua vida a dois através de uma relação pessoal com o espaço em que estavam inseridos e, claro, com a pintura. Nesta fase era também recorrente Vieira ouvir os comentários do marido sobre a sua pintura, já que nutria por ele uma profunda admiração. Apesar destas vantagens que encontraram em partilhar espaços e conselhos, assim que lhes foi possível, separaram os locais de trabalho: foi a forma que encontraram de não se deixarem acomodar ou perturbar mutuamente, passando, a partir deste momento, a mostrar um ao outro as suas obras já em fases finais de execução. Esta separação não se traduziu em caminhos muito diferentes: as suas obras continuam a ter muitos pontos em comum e a tocarem-se, ainda que em linhas eternamente paralelas.

O início da Segunda Guerra Mundial foi um golpe duro para o casal: instalados em Paris, Vieira da Silva e Arpad Szenes sentiram-se inseguros. Mudaram-se para Lisboa, onde procuraram obter nacionalidade portuguesa mas, sendo ambos apátridas e sendo Arpad de origem judaica, o pedido foi-lhes negado e acabaram por se ver obrigados a sair da Europa. Como tantos outros artistas e intelectuais europeus, despojados de tudo, Arpad e Maria Helena refugiaram-se no Rio de Janeiro durante a maior parte da década de 1940. Esta fase foi marcada pela tristeza e pelo desenraizamento que sentiam, apesar dos bons amigos que fizeram durante estes anos de exílio no Brasil. Valeu-lhes, acima de tudo, serem um porto de abrigo um para o outro: estavam em casa desde que estivessem juntos.

Regressaram a Paris em 1947, restabeleceram-se entre a arte e a vida boémia e intelectual parisiense. Seguiram-se anos de paz pessoal e de sucesso profissional, que lhes permitiu levar uma vida tranquila e orientada para o trabalho. Durante os períodos em que viajavam por motivos profissionais e ficavam longe um do outro, escreviam-se constantemente. Ela era contida e ele mais romântico, tentando sempre reconfortá-la e fazê-la sentir-se segura.

Arpad viria a morrer em 1985, aos 87 anos de idade, deixando Maria Helena depois de 55 anos de comunhão. Para a história ficam não só a obra destes dois grandes pintores do século XX mas também uma história de amor, amizade e cumplicidade muito singular.

Para mergulhar ainda mais na obra de Maria Helena Vieira da Silva, visite a exposição patente na Praça Central do Colombo até 26 de agosto. A entrada é livre! Contamos consigo. 

 

Fonte da fotografia: site da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva

Tudo o que precisa num único espaço